O Brasil como importador de créditos de carbono

O Brasil como importador de créditos de carbono
Marcos Cintra
No palco global do ativismo ambiental, o Brasil ensaia um papel de nuances irônicas. Celebrado por sua vastidão amazônica, pela proeminência de seus biocombustíveis e pela fama de sua matriz energética notavelmente limpa, o país se vê à beira de uma condição inusitada: tornar-se importador de créditos de carbono.
Esse cenário peculiar é resultado do comprometimento hesitante dos países desenvolvidos em relação ao mercado de carbono e da propensão nacional em conceber leis que oneram o cidadão e tiram competitividade de nossa economia. É o caso do Projeto de Lei 2.148/15, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), já aprovado na Câmara e prestes a ser votado no Senado.
O PL mistura a regulamentação do mercado de carbono no Brasil com negociações climáticas internacionais, tecendo uma conexão equivocada com o Acordo de Paris. Ao dar a impressão de que seria a primeira incursão do país em iniciativas de combate ao aquecimento global, o texto ignora o papel de vanguarda do Brasil na questão climática, que remonta à sua participação fundadora na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), fruto da Eco-92, realizada no Rio.
O Brasil é um líder histórico nessas discussões, criando, já em 1999, uma Autoridade Nacional Designada e ratificando o Protocolo de Quioto em 2002, que originou o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e permitiu a geração e venda de créditos de carbono a nações desenvolvidas. O país colheu benefícios, sobretudo nos governos de Lula (2003 a 2010), quando o MDL prosperou e as Reduções Certificadas de Emissão (RCEs) do Brasil figuraram entre os principais produtos de exportação do país.
Com um investimento unilateral de US$ 25 bilhões em 400 projetos voltados à redução das emissões de CO2, governo e empresas brasileiras abateram anualmente 50 milhões de toneladas de CO2, acumulando diminuição de 450 milhões de toneladas no período de validade dos créditos. O panorama sofreu uma reviravolta em 2013, quando as nações desenvolvidas, lideradas pela União Europeia, mudaram unilateralmente as regras do jogo. Elas proibiram o uso das RCEs provenientes do Brasil, China, Índia, México e Coreia no cumprimento de suas metas de redução de emissões, passando a comprar apenas uma pequena fração dos créditos gerados por essas nações.
Isso desvalorizou as RCEs, que passaram a centavos de dólar por tonelada de CO2. Ou seja, foi uma mudança regulatória, e não lacunas na legislação brasileira sobre mercado de carbono, que secou a demanda internacional. Mesmo com o Acordo de Paris em 2015, esse quadro persiste, com a demanda dos países ricos falhando. Adicionalmente, relatórios da UNFCCC indicam redução das metas dos países desenvolvidos para 2030, o que pode levar a um aumento nas emissões em comparação com 2020, projetando, nesse horizonte, poucas oportunidades para o Brasil no mercado externo de carbono.
Em oposição às nações ricas, que sugerem postergar seus compromissos, o Brasil segue como exemplo. Em 2020, segundo o Balanço Energético Nacional (BEN), cada brasileiro foi responsável por 1,9 toneladas de CO2, contra 12,9 e 7,2 toneladas de um americano ou chinês, respectivamente. Quanto à eficiência, a economia brasileira mostra emissão de 0,13 kg de CO2 por dólar de PIB, alinhando-se à Europa e abaixo da China e dos EUA. No setor energético, o Brasil registrou 1,4 toneladas de CO2 por tonelada equivalente de petróleo de energia oferecida, abaixo dos europeus, americanos e chineses. Na produção de energia elétrica, o país emite uma fração das emissões de seus pares internacionais.
A COP28 acabou sem consenso e um vácuo político emerge na regulamentação das disposições do artigo 6 do Acordo de Paris, determinante para sua eficácia, pois facilita a cooperação global e incentiva investimentos de larga escala. Essa lacuna dificulta a comercialização de créditos de carbono brasileiros no exterior a curto e médio prazos.
No âmbito interno, é crucial ressaltar que metade das emissões do Brasil decorre do desmatamento ilegal. A perspectiva de que os agentes envolvidos nessa prática criminosa venham a adquirir créditos no mercado doméstico é inexistente. Além disso, o projeto exclui o setor agropecuário da obrigação de gerar demanda, o que reduz o leque de atividades econômicas sujeitas às emissões regulamentadas e, assim, mina a capacidade do Brasil de atingir suas metas de redução.
Segundo o PL, só os setores de energia, predominantemente renovável no país, e industrial estarão sujeitos à regulação, embora representem apenas 30% das emissões nacionais. Considerando que as emissões do Brasil constituem menos de 2,7% do total global, o impacto do mercado de carbono brasileiro representará menos de 0,7% das emissões mundiais. Um resultado modesto, alcançado a um ônus social considerável, reverberando em inflação e aumento do Custo Brasil, já que, fatalmente, será repassado ao consumidor, que carregará o peso deste novo “tributo de carbono”, habilmente disfarçado sob o eufemismo de “mercado”.
A estratégia nacional deveria abarcar as complexidades do mercado global de carbono, no qual a lacuna entre o potencial de redução de emissões e seu êxito na comercialização dos créditos é notável. O Brasil viveu isso na pele. Apesar de uma significativa redução no desmatamento, equivalente a 9 bilhões de toneladas de CO2, apenas uma fração, 600 milhões de toneladas, ou 6,7%, encontrou compradores, sobretudo Noruega e Alemanha.
A nova normatização do mercado brasileiro traz um peso adicional aos ombros já cansados do consumidor de energia e sobrecarrega um setor industrial em declínio, sem apresentar redução substancial nas emissões do país, que permanecerão à margem desse sistema. Agravando o quadro, se os níveis de desmatamento crescerem até 2030, o Brasil acumulará uma “dívida ambiental externa” em toneladas de carbono. Num giro quase quixotesco, o país pode se ver navegando em águas internacionais em busca de certificados para honrar seus compromissos sob o Acordo de Paris, ironicamente atuando como um importador de créditos de carbono.